Por Síntique Nobre Santos
Nessa minha única e insignificante vida sobre a terra, tenho aprendido algumas coisas sobre mim mesma e sobre meus semelhantes. Mas nada que tenho adquirido através do auto conhecimento ou constatado através de atitudes de outros teria sentido algum se em dado momento eu não tivesse conhecido o Criador do comportamento humano.
Sabendo que “Dele, por ele e para ele são todas as coisas”(Rm 11.36) e que “todas as coisas foram feitas por intermédio dele e sem ele nada do que foi feito se fez”(Jo 1.3), cremos que nossos temperamentos, quem somos e como somos, TUDO foi criado por Ele e para Ele.
Quando o Reino de Deus foi estabelecido no meu coração, esse temperamento, que produz sentimentos e reage com ações externas, passou a ser guiado e dirigido com um único propósito: glorificar Jesus.
Durante o constante processo de desenvolvimento da salvação notei que, aquilo que fazem contra mim, cai no meu coração como aqueles nano robôs de desenhos animados que as crianças assistem. Em segundos ele lança suas garras que crescem como raízes e, se não arrancado rapidamente, a praguinha infesta todos os lugares que consegue acessar e se acomoda quieta, como se não estivesse mais ali. Quando menos se espera, uma palavra, um som, uma música, um cheiro, a voz de alguém… ativa o bicho e a gente percebe que ele está ali. A ofensa não foi esquecida, ainda dói. As perninhas da coisa apertam um lugar nos sentidos que provocam emoções nocivas, reações inconvenientes, e eu peco.
O tamanho do bicho e o alcance das suas garras nunca é o mesmo. Se a agressão é contra algum lugar firme e resolvido dentro de mim, o bicho entra, mas não se estabelece, ele não tem forças para perfurar um solo firme, morre ali mesmo. Por outro lado, aqueles lugares ainda não submetidos por completo ao Senhorio de Cristo, as áreas onde tenho insegurança, não sei com clareza o que Deus pensa sobre o assunto, são áreas suscetíveis. Quando ofendidas, acolhem a ofensa, seja ela grande ou pequena e as raízes da coisa se alastram e se ramificam derrubando tudo por onde passam, fazendo daquele canto do coração uma bagunça.
Ofensa instalada, só há um remédio: perdoar! Mt 6 Perdoar como temos sido perdoados… por Jesus, que nos devolveu o acesso a Deus dando sua vida por nós. Se não perdoarmos, não seremos perdoados. (Mt 6.12) Mas o que é o perdão? Um dom? Uma mágica? Como traduzir o perdão em palavras?
Perdão não é parar de sentir dor.
Perdão é admitir que a culpa pelo que eu estou sentindo não é de quem me ofendeu.
Já tive experiências fortes a respeito de perdão e confesso que demorei dias para escrever esta frase, mesmo depois de ter experimentado o prazer de ser perdoada e de ter perdoado. Como posso dizer que não é culpa de quem me ofendeu o que estou sentindo?
Se somos cristãos de verdade, sabemos que não merecemos nada além da morte (Rm 6.23), a vida nos foi dada de graça em Jesus. Que, não fosse a graça pela qual fomos salvos, estaríamos mortos em nossos delitos e pecados (Ef 2.1), que não há judeu ou grego, macho ou fêmea (Gl 3.28). Não houve maior ofensa do que a recebida por aquele que, sem pecado, tomou sobre si todas as nossas ofensas na cruz, ferido por causa das nossas transgressões (Is 53).
A dor que sentimos quando ofendidos está relacionada a importância que damos à pessoa que nos ofende e a insegurança que temos em relação à área afetada pela ofensa.
Pense comigo, se alguém que nunca vi passa na rua e comenta que não gostou do piso da minha garagem o máximo que penso é “Mas que cara de pau!”. Posso até comentar com alguém, depois, sobre a ousadia da pessoa, mas de maneira alguma aquilo me ofende. Não choro, deixo de dormir ou levo o assunto para terapia. A pessoa não faz parte da minha vida e o piso da garagem não é tão importante assim pra mim naquele momento.
Agora, contratei um arquiteto e um decorador, gastei uma fortuna na reforma da casa, resolvi por mármore no piso da sala, sempre sonhei com isso. A casa fica pronta e minha mãe, que mora longe, chega de viagem no dia que a sala fica pronta. Ela vê a casa toda e fica admirada como tudo ficou lindo. Eu deixo a sala por último, foi o lugar onde mais investi, eu amei o resultado, sempre quis aquele mármore, inteiro, sem cortes. Quando chego na sala com a minha mãe ela olha para o chão e fala “Nossa! Achei que ia ficar melhor… prefiro porcelanato!”
O problema não é a minha mãe. Talvez eu sempre tenha buscado sua aprovação. Se eu não tenho certeza do que sempre quis e não sou segura do que sou em Deus e do que Ele queria pra mim, inclusive em relação ao piso da minha sala, nesta hora eu desabo. Fico com problema com o piso, já não tenho mais certeza se era o que queria e fico com problema com a minha mãe que nunca me apoia e com o pedreiro, com o arquiteto, com a decoradora e com o mármore. O bicho se instala na minha insegurança, se é que já não é recorrente. Portanto, a culpa do que estou sentindo não é da minha mãe.
Estas histórias poderiam ser contadas em relação à mulheres que não conseguem perdoar seu maridos que cometem adultério porque nunca confiaram em seus pais, nunca confiaram em si mesmas, não conseguem acreditar que seus maridos podem amá-las genuinamente. Maridos que não conseguem perdoar suas esposas porque nunca viram seus pais respeitarem suas mães e são inseguros, acreditam que se tratarem suas mulheres com respeito, perdoando e amando elas vão se sentir livres para traí-los. Filhos que não perdoam seus pais porque acreditam não serem bons o suficientes, sentem-se o tempo todo abaixo das expectativas dos pais.
Sempre há falta de visão de quem eu sou em Jesus quando não há perdão. Jesus podia perdoar porque ele sabia quem ele era. Na cruz ele pede ao pai que perdoe aos que lhe machucavam. Ele sabia exatamente quem era, os homens não podiam lhe ofender. Ele era homem, mas era Deus, sem nenhuma insegurança ou trauma, nada que diziam ou pensavam era sobre ele. Na verdade, quando pecam contra nós, os que somos filhos de Deus, não sabem o que fazem.
Não há o que temer, nem ofensa a ser aceita. A dor deveria ser pelo outro, exatamente como Jesus sentiu, porque não sabem o que fazem. O perdão deveria ser automático, um ato de amor que liberta o que se prendeu ao pecado. E, quem está sofrendo, de verdade, é quem pecou, porque o pecado é contra a natureza daquele que nos amou primeiro.
Não que já tenha alcançado, mas se tratando de perdão, não há como andar se não esquecer do que para trás fica e olhar fixamente para o alvo. Correr para conquistar porque também já fomos conquistados. Crendo que Ele é o caminho, o alvo e o prêmio. Não há necessidade alguma de olharmos para o lado.
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